sábado, 6 de agosto de 2011

A Espiritualidade Umbandista manifesta no Estado Superior de Consciência


Por: Gregorio Lucio

Na Umbanda, primamos pelos estados de transe (mediúnicos ou não), conhecidos como estados alterados (ou superiores) de consciência (E.A.C/E.S.C), como experiência basilar para o acesso a dimensões mais profundas da realidade humana, propiciando-nos: gradativo conhecimento de nossa própria Individualidade (de procedência Espiritual); fortalecimento de nossa relação com o mundo (reconhecimento da alteridade); e, consumação de nossa relação com a Divindade.

O termo perenialismo corresponde a uma corrente filosófica, a qual identifica-se com a visão dos místicos de todas as tradições acerca do terreno divino do universo por trás da consciência; a verdade metafísica fundamental é una, universal e perene, e as diferentes religiões constituem distintas linguagens que expressam essa verdade única, mas muitos a interpretam de maneira diferente. (Beauregard)

A partir da religiosidade (a qual pode ser expressa pela prática de uma religião específica ou não), fundamentada na tentativa sincera de entender os "porquês" da Vida, o homem chega a percepção cada vez mais profunda sobre a perenidade desta (sua eternidade), e a maneira como há uma interconexão entre tudo e todos.


Na Umbanda, também buscamos a vivência interior da perenidade da Vida, dela nos conscientizando a pouco e pouco, por meio de nossas experiências profundas com os Guias e Protetores de nossas "coroas". Para isso, valemo-nos de um estado não-ordinário de consciência, sob cuja ocorrência podemos "romper" os limites tênues entre o "mundo material" e o "mundo espiritual", experimentando percepções profundas e plenas de significado.


Utilizaremo-nos, daqui por diante, do termo Estado Superior de Consciência, para nos referirmos a estes fenômenos produtores de ocorrências positivas na experiência subjetiva do indivíduo (já estamos desconsiderando aqueloutros de ordem patológica, os quais, segundo nosso entendimento, estão fora do contexto mediúnico).

"A atividade mediúnica se expressa até nos sonhos, que (...) ganham um tratamento peculiar dentro da visão de mundo umbandista. Nela a realidade vai muito além das vivências objetivas na relação com o ambiente ou da atividade consciente, revelando-nos uma riqueza imaginativa que compreende o real muito além dos contornos da percepção profana. Segundo nos relatam, o "mundo dos espíritos" e o dos vivos é separado por um tênue estado de inconsciência, que obviamente não vale para os médiuns. Através dos sonhos, visões, devaneios e pensamentos, estes têm acesso a esta realidade para nós imperceptível, mas que não obstante, entendem como objetiva". (Leme e Bairrão, 2003)

Para que possamos compreender os E.S.C, como sendo experiências profundas e essenciais na vida de um umbandista, primeiramente devemos entender que possuímos níveis de consciência fragmentados a respeito de nós mesmos e do mundo que nos cerca.

Isso é evidenciado pela quantidade de estímulos que captamos pelos nosso órgãos do sentido (olhos, ouvidos, nariz, boca, mãos/pele), dos quais somente alguns destes chegam à nossa percepção consciente (pense em quantos estímulos visuais, sonoros e táteis você está recebendo enquanto lê este texto). Essa ocorrência deve-se a propriedade que nosso corpo, mais especificamente nosso cérebro, tem de modular e regular nossas experiências sensoriais, para que tenhamos preservadas a nossa saúde e integridade.


Da mesma forma, nosso "organismo psíquico" (somatório de nossos conteúdos psicológicos conscientes e inconscientes) também restringe nossa experimentação integral da realidade. Conforme afirma C.G Jung:


" (...) a psique não constitui uma exceção à regra geral, segundo a qual a essência do universo em questão só pode ser conhecida na proporção permitida pelo organismo psíquico" (Jung)

Queremos com isso deixar claro que há possibilidades não experimentadas ou vivenciadas por nós em relação ao mundo no qual estamos inseridos, e que estamos, na maior parte do tempo, limitados em nosso campo perceptivo.

Concebemos nossa consciência ordinária como sendo uma instância de relação com o mundo, importante para nossa vida cotidiana, no entanto, limitante de nossa percepção a respeito da realidade espiritual, a qual afigura-se cheia de vida e de possibilidades infinitas de realização.


Místicos e determinados pesquisadores (da escola transpessoal da psicologia, por exemplo), identificaram vários níveis possíveis de expressão da consciência, partindo do mais básico (consciência de corpo) até o mais complexo e pleno (consciência cósmica, na qual o indivíduo, em um êxtase místico identifica-se com a própria Divindade).


Mediante estas constatações, entendemos que podemos transcender nossa percepção "normal" para alçarmo-nos às esferas espirituais da Vida, colocando-nos em contato com nossos Guias e Mentores.

Para que possamos chegar a esta condição, necessitamos "vencer" as restrições dadas pelo nosso organismo, e também pelos condicionamentos emocionais e culturais aos quais estamos ligados.

As disciplinas envolvidas na prática mediúnica (concentração, meditação e oração), assim com na prática rito-litúrgica (utilização das ervas como banhos e defumações, as curimbas e as danças), propiciam a "quebra" dos padrões ordinários de consciência, para que estejamos suscetíveis a estes novos padrões (E.S.C) e ao mesmo tempo resguardando nossa individualidade e nossa coerência subjetiva.

Caboclo Mirim (medium Benjamim Figueiredo)
Os padrões não-convencionais de consciência (E.S.C), na Umbanda, dar-se-ão pela ocorrência do transe, pelo qual o indivíduo médium entra em contato com a dimensão espiritual, identificando-se com outra Individualidade, espiritual e transcendente (espíritos protetores e guias), com a qual comungará a experiência mediúnica.

Os ritos preparatórios, os quais simbolizam a "passagem" do médium umbandista pelos degraus da vida espiritual dentro das Leis de Umbanda, implicam no estreitamento da ligação mental entre os Guias e seu tutelado, por intermédio de sua "coroa" (cabeça-mente). Esta prática implica num rompimento primordial (ainda que breve) da percepção sujeito/objeto,  para um estado de transcendência, no qual a Individualidade Médium "funde-se" com a Individualidade/Guia, efetivando a "fluência do princípio espiritual" do Orixá regente de ambos.

Conforme dissemos, há a possibilidade da ocorrência gradual de vários níveis superiores de consciência, por meio dos quais podemos apreender nuançes variadas acerca da realidade, do mundo transcendente, significando nossa vida na Terra, como espíritos encarnados, em jornada espiritual.

Sensus Numinis refere-se ao termo usado para designar a percepção direta do transcendente vivenciada pelo ser humano durante um êxtase mistico. Seria a expressão máxima de um E.S.C, no qual o indivíduo "atinge" o nível de Consciência Cósmica por breves instantes, porém de maneira arrebatadora, ocasionando profundas modificações em sua vida, como decorrencia um estado de plenitude e profundo sentido psicológico apodera-se do indivíduo ("Ja não sou eu quem vive, é o Cristo que vive em mim" - Gálatas, 2:20).

A medida em que nossa vivência no rito, por meio da prática mediunista junto aos nossos Guias e Protetores, vai se desenvolvendo e ampliando nossas possibilidades de compreensão espiritual, iremos galgando níveis mais amplos de consciência, vislumbrando a Realidade profunda e divina, para a qual aos poucos iremos ascendendo.

Isso por que, ao nos ligarmos às mentes destes verdadeiros prepostos do(s) Orixá(s) na dimensão espiritual, seus conteúdos numinosos são compartilhados e experimentados por nós, gradativamente, fazendo com que sejam despertos os nossos próprios, aumentando nossa disposição diante da vida, acurando nossa percepção de Deus e do próximo, facultando que cheguemos, ao longo do tempo, a atingir a Consciência Cósmica (Consciência de Orixá).

Evidentemente, essa ocorrência máxima de nossa jornada espiritual somente ocorrerá mediante nossa disposição íntima em vivenciarmos este "aprofundar" no contato com os Numes Espirituais, os quais não se cansam em seus contínuos avisos e chamados, no entanto, como o caminho espiritual é dado a cada um, cabe a nós que estejamos "despertos", aplicando-nos as disciplinas psíquicas, morais e ritualísticas, para que possamos conduzir-nos a este processo em nós mesmos.


Saravá a todos!



Bibliografia Consultada:

Beauregard, Mario; O'Leary, Denyse (2008). O cérebro espiritual - uma explicação neurocientífica para a existência da alma
Jung, C. G (1978). Psicologia e Religião
Grof, Stanislav (1999). O Jogo Cósmico - Explorações das Fronteiras da Consciência Humana
Ounspensky, P.D. (1985). A Consciência: Em busca da verdade
Weil, Pierre (1990). A Consciência Cósmica
Weil, Pierre (1992). Antologia do Êxtase
Miranda, Projeto M.P de (2003). Consciência e Mediunidade
Leme, Fábio R. (2006). O uso do imaginário nos cultos afrobrasileiros e na Umbanda (tese de mestrado)
Rotta, Raquel Redondo (2010). Espíritos da Mata: Sentido e Alcance Psicológico no uso ritual de caboclos na Umbanda (tese de mestrado)
Bairrão, J.F.M.H; Leme, F.R (2003). Mestres Bantos da Alta Mogiana: Tradição e Memória da Umbanda em Ribeirão Preto (artigo científico).

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